Republicano, um populista imprevisível, lança a maior potência global e o mundo ao desconhecido.
Um magnata do setor imobiliário e estrela de reality shows
sem experiência política e com uma mensagem xenófoba e
antissistema, será o próximo presidente dos Estados Unidos. O republicano
Trump derrotou nas eleições de 8 de novembro a democrata Hillary Clinton, uma
política experiente e associada ao establishment que não soube
se conectar com a coalizão de minorias e jovens que deu duas vitórias ao
presidente Barack
Obama. A vitória de Trump, um
populista imprevisível no comando da maior potência do planeta, lança seu
país e o mundo ao desconhecido.
O mundo esperava ver a
primeira mulher na presidência dos EUA e encontra um demagogo pela
frente, um homem que reavivou algumas das tradições mais tenebrosas do país.
A chegada de Trump à Casa Branca é uma
ruptura com as melhores tradições democráticas dos EUA, com a tranquila
alternância entre governantes com visões discrepantes do país, mas não nos
valores fundamentais que o sustentam desde sua fundação. Trump, que prometeu construir
um muro na fronteira com o México e proibir a entrada de muçulmanos
nos EUA, demonstrou que um homem praticamente sozinho, contra tudo e contra
todos, é capaz de chegar à sala de comando do poder mundial. Lá terá ao alcance
da mão a valise com os códigos nucleares e controlará as mais letais forças
armadas do planeta, além de possuir um púlpito único para se dirigir ao seu
país e ao resto do mundo. Da Casa Branca poderá se lançar, se cumprir suas
promessas, a batalhas com países vizinhos como o México, a quem quer obrigar a
pagar o muro. O México,
vizinho e até agora amigo dos EUA, será o primeiro ponto na agenda do
presidente Trump.
O republicano desmentiu todas as pesquisas que há
seis meses prognosticavam sua derrota. Derrotou os Clinton, a
família mais poderosa da política norte-americana nas últimas três décadas,
com exceção dos republicanos Bush, que também se opunham a ele. Enfrentou
a máquina de seu próprio partido, os meios de comunicação, Wall Street, as grandes
capitais europeias e latino-americanase organizações internacionais como a
OTAN.
Seu mérito consistiu em
entender o desconforto dos norte-americanos vítimas da tempestade da
globalização, as classes médias que não deixaram de perder poder aquisitivo
nas últimas décadas, os que viram como a Grande
Recessãoparalisava a ascensão social, os que observam desconcertados as
mudanças demográficas e sociais em um país cujas elites políticas e econômicas
os ignoram. Os
brancos da classe trabalhadora – uma minoria antigamente democrata que
compete com outras minorias como os latinos e os negros, mas que não tem um
status social de vítima – encontrou em Trump seu homem providencial.
Durante
a campanha Trump prometeu um
Brexit multiplicado por 5, em alusão à decisão da Grã-Bretanha, em referendo,
de sair da União Europeia. E cumpriu. A onda de populismo de
ambos os lados do Atlântico consegue
sua maior vitória. É um golpe nas elites norte-americanas e globais. E é uma
prova de que em tempos de incerteza pode ganhar um candidato com os sensores
para identificar os medos da sociedade e uma mensagem simplificadora que
identifique o inimigo interno e externo.
Os intermináveis
escândalos, reais ou inventados, de Clinton derrubaram sua candidatura.
Poucos políticos se identificavam tanto com o establishment como
ela. No final das contas, é a esposa de um presidente e os EUA, uma república
fundada contra as dinastias, já teve o suficiente com os presidentes Bush pai e
filho. Os norte-americanos queriam provar algo diferente, e em um ano de
mudança, após oito com um democrata na Casa Branca, não existia candidato mais
novo do que Trump, nenhum que representasse melhor do que ele um tapa no
sistema, a tentativa de virar a página com a classe política de um e outro
partido.
A vitória eleitoral deixa uma sociedade fraturada. As minorias,
as mulheres, os estrangeiros que se sentiram insultados por Trump deverão se
acostumar a vê-lo como presidente. Deixa também uma sociedade com medo. O presidente
eleito prometeu deportar os 11 milhões de imigrantes ilegais, uma operação
logística com precedentes históricos sinistros. O veto
à entrada de muçulmanos fere os princípios de igualdade consagrados na
Constituição dos EUA.
Sua inexperiência e escassa preparação também são uma
incógnita sobre o modo como governará. Uma teoria é que uma vez no salão oval
ficará mais moderado e que, de qualquer forma, o sistema de controle de poderes
freie qualquer afã autoritário. A outra é que, ainda que esse país não tenha
experimentado um regime ditatorial no passado, as declarações de Trump em
campanha preveem um viés autoritário.
Existem momentos em que as grandes nações dão viradas
bruscas. Quando se trata dos Estados Unidos da América, a virada afeta a toda a
humanidade. O 8 de novembro de 2016 pode passar à história como um desses
momentos.
El PAÍS
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