por Lázaro Albuquerque Matos
Quem não tem o que fazer enche linguiça. Como não sei encher linguiça, vou enchendo alguma coisa por aqui: sabe-se lá um saco. Encher saco escrevendo, estou fazendo alguma coisa: sabe-se lá boa ou ruim.
Escrever uma crônica exaltando as qualidades profissionais do sapateiro Laurentino, para mim, é uma “boa” e não enche saco de quem se disponha a ler. Sabe-se lá se alguém lê!
Assim mesmo, vamos ao texto, com uma foto de Laurentino para quem só quer conhecê-lo ou dele se lembrar. Ele era conhecido como “Seu Louro”. Lembram-se?
O senhor Laurentino – Seu Louro – era um multiprofissional. Além de sapateiro, ele foi guarda-municipal, borracheiro, consertador de bicicleta e carroceiro. Mas o forte mesmo do Seu Louro era a profissão de sapateiro, a principal dele. E é a ela, e tão-somente a ela, que vou me ater: Laurentino Sapateiro.
Como em Duque Bacelar ainda não havia lojas de calçado, Seu Louro tornou-se um operário do calçar. Ele deitava e rolava colocando calçados novos nos pés das pessoas da cidade. Do sapato social ao tamanco, mestre Louro não deixava ninguém de pés no chão, descalços. No festejo de São José, então, o sapateiro não dava conta das encomendas.
Como um bom observador de tendências, Seu Louro acompanhava a moda calçadista na fabricação de seus sapatos femininos. De salto alto e bico fino nos pés, moças e senhoras bacelarenses não se queixavam de desatualizadas e foras de linha, andando com sapatos da grife Laurentino.
Só havia uma inconveniência para quem queria um par de calçado novo do Seu Louro: medir os pés na casa dele para a pontuação do calçado. Lá, ele colocava os pés das pessoas em fôrmas de medida para o calçado sair no tamanho e altura dos pés. E muitas senhoras e moças não gostavam disso. Mas Seu Louro, para não perder as freguesas, ia prontamente atender as mais exigentes em domicílio, com um saco de fôrmas na garupa de sua bicicleta.
Como precaução não engorda e nem empanzina, todo mundo tinha um pouco dela como cuidado de não errar o tratamento quando fosse à casa do sapateiro saber se ele já havia feito o calçado encomendado, para não dizer: Está pronto, meu Louro? Isso poderia soar como se o Seu Louro fosse um papagaio, e ele poderia não gostar.
De lembrança minha, tive um só par de sapatos feito por Seu Louro; de chinelo e tamanco não tenho conta. Mas do que eu gostava mesmo era ir à casa de Seu Louro com uma bola velha furada e murcha, do meu time de pelada da Beira do Rio, para ele remendar e encher.
E eu só saía da casa do Seu Louro com a bola novinha em folha debaixo do braço, nem que pra isso eu passasse o dia inteirinho esperando, pois deixar a bola lá, para ir buscar depois, eu correria o risco de não encontrá-la no meio do amontoado de calçados velhos para conserto e resto de material dos novos.
Muito calmo e de fala mansa, Seu Louro oferecia uma boa conversas aos fregueses que se dispunham a esperar um bom tempo no dia marcado para receber o calçado, enquanto ele dava os toques finais de acabamento.
Observador do cotidiano de Duque Bacelar, Seu Louro tinha olhos e ouvidos em todos os cantos. Ele passava para seus fregueses os últimos acontecimentos da cidade, que só ele sabia. E como sabia de coisas! Cabeludas, às vezes. Só perdia para o barbeiro João Jacob.
Nas conversas com seus fregueses, o sapateiro fazia todo tipo de arrodeio para evitar um pedido de fiado. Quando ele percebia que um estava reclamando muito de uns pequenos detalhes do calçado, pedindo reparo, ele logo imaginava, com seu fino faro, que o freguês estava só ensebando para dar o bote da cantada do fiado. Sabiamente, o sapateiro olhava para a pessoa, antepondo-se a ela no “Seu Louro, depois eu pago”, dizendo assim:
– Tu tens razão. Vou ajeitar isso. Está um pouco feio mesmo. Mas agora não dá. Volta depois. Mas não esqueças o dinheiro! E, se já estiveres com ele aí, é melhor deixar logo. Preciso comprar material.
Com isso, ele desconcertava a pessoa para o pedido de fiado.
Assim era o sapateiro Laurentino. Uma figura de pessoa.
Até breve, depois do carnaval.
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