domingo, janeiro 16, 2022

Cristiane Bacelar relembra uma das grandes crônicas de Dr. Magno Bacelar!



 "O que mais gostava nos textos eram as lições de vida que eles traziam.

Ninguém chega tão longe sem muita luta, determinação e até sacrifícios. Ou seja, nada vem de graça!," escreveu em suas redes sociais Cristiane Bacelar.



O CAVALO E O CADETE



Quem atinge a idade de servir à Pátria após prestar vestibular tem direito de prestar exame para o Centro De Preparação De Oficiais Da Reserva (CPOR), se aprovado, escolher a arma de sua vocação e, ainda, a opção de troca de curso em até uma semana. Em 1960, fui classificado para Artilharia, mas o hábito de campear o gado nas matas de Coelho Neto me levaram a optar pela arma de Cavalaria. Enquanto “artilheiro” estive em salas limpas, carteiras apropriadas para desenho e cálculo, uniformes impecáveis e coturnos reluzentes. Na última aula foi apresentado o capacete, colocado sobre a mesa, enquanto o capitão instrutor dizia: - Este objeto de formato anatômico, dotado de faixas elásticas para amortecer impactos, é facilmente camuflável e parte integrante do uniforme de combate e armamentos.

No dia seguinte, já na Cavalaria onde, ao chegar, o aluno recebe um cavalo como parte intrínseca do uniforme, das armas e dele próprio. Quando o jovem é muito grosso, o cavalo é quem recebe um aluno. Medrosos retardatários não tinham direito de escolha, simplesmente recebiam a ordem de montar os animais refugados. Aos que alegavam nunca haver montado o instrutor retrucava “não faz mal este cavalo também nunca foi montado”.   Por coincidência, na primeira aula, seria apresentado o mesmo capacete, com diferenças bem sutis.  Alunos sentados no chão entre as baias, calçados de botas e esporas, enquanto o capitão com o material pendurado numa das mãos, vociferava “Isto aqui é um capacete, não é penico nem tamborete, é para proteger a cabeça, entendido?” Se por um lado os cavalarianos não  se esmeravam em delicadezas, por outro, se destacavam pela coragem, poder decisório, companheirismo e lealdade. A reputação não era das melhores quando se tratava de etiqueta; apelidados de cheirosos nos orgulhávamos dos animais e rebatíamos: - O verdadeiro cavaleiro não teme desafios nem recusa tarefas e, à noite, frequenta palácios e salões com a elegância dos nobres.

Os exercícios eram duros, pesados, às vezes brutais. Quando um aluno caia do cavalo o instrutor perguntava “quem mandou apear?”. Ninguém socorria, o cadete teria que voltar a montar na marra.  Certa feita praticávamos equitação na Quinta da Boa Vista quando o cavalo do cadete   Saltarelle disparou derrubando-o violentamente, tonto e confuso murmurou “Vejo tudo nublado”, ao que respondeu o instrutor, Capitão Alair,  “ E daí? Vai chover, estrume”.  Acampávamos em Gericinó (hoje presídio de políticos corruptos) muito distante de São Cristóvão, percurso que fazíamos, parte montados e parte a pé, durante toda uma noite.

Em Gericinó, permanecíamos de dez a quinze dias fazendo exercícios campais, guerras simuladas, travessias de charcos, pântanos etc.  Nas “batalhas” eram usadas todas as armas, embora com balas de festim. Definidos os adversários e a área onde se desenrolaria o combate, os comandantes se deslocavam na véspera para preparar barricadas, pontos estratégicos para instalação de metralhadoras, obuses e outras armas pesadas.  Os alunos cavavam e preparavam as barricadas nas quais se instalavam de dois a dois.

Numa destas “guerras” eu fiquei numa trincheira com o companheiro Nougi (vibrador exagerado). Começou a batalha, inimigos se aproximando, eu me preparei para atirar quando o meu parceiro se levantou de repente me alertando do perigo, exatamente quando eu apertava o gatilho. Resultado a pólvora seca lhe atingiu a nuca provocando queimaduras e muito sangue. Seguiram-se urros e gritos de socorro. Resultado, paralização total da guerra, todo o CPOR em formatura os instrutores nos fazendo desfilar enquanto diziam ao microfone: “Estes dois acabam de nos demonstrar COMO NÃO FAZER A GUERRA.” Ficamos presos por sete dias.

Foram três anos de árdua aprendizagem. Chegávamos ao quartel às 3 horas da manhã, passávamos por uma revista rigorosa onde eram observados aspectos como farda impecável, barba feita, saíamos às 17horas, depois de submetidos a outra revista ainda mais rigorosa, se a barba (por exemplo) não estivesse escanhoada ficávamos detidos e dormíamos no quartel.

Recebi um cavalo melado, arisco e temido, de nome GREEN (verde), que fez a caveira de muitos alunos que deixava a pé e voltava disparado pelas ruas. Compusemos perfeita dupla e, em sintonia, fizemos juntos exercícios e manobras por longos 36 meses.

Devo muito ao Exército, aos instrutores, aos colegas de farda e até mesmo ao cavalo que me ensinaram a enfrentar problemas sem ver fantasmas onde eles não existem.

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