Por Magno Bacelar.
Talvez já
tenha me referido a parte deste episódio em outa ocasião. Foi lá pelos idos de
1954 quando Duque Bacelar foi assassinado e nós, os filhos em idade escolar,
transferidos para o Rio de Janeiro, em busca de melhores escolas, como previsto
em seus sonhos. Todos de luto fechado, roupa totalmente preta, padrão dos
costumes no Nordeste de então. Não existia a definição “bulling” mas, tal
indumentária parecia estranha e chocava os cariocas, fomos alvo de muita
gozação e apelidos jocosos. Nada nos atingia ou intimidava, fomos para estudar
e o fizemos corajosamente.
Com muita antecedência Duque fizera um seguro de vida destinado à aquisição de
imóvel e garantir a educação dos filhos menores nos melhores centros de ensino
do país. Nos instalamos em pequeno, mas confortável apartamento no bairro das
laranjeiras na capital da República. Capitaneados por Lys e José éramos,
inicialmente sete: Lys, Jose, Luis, Bernardo, Magno, Flori e Afonso número
posteriormente aumentado com a chegado do sobrinho Artaxerxes. Matriculados nos
melhores colégios, tivemos que nos superar a cada dia para acompanhar o nível
das aulas. Professor e línguas entrava e saia da sala falando o idioma da
matéria (inglês, francês ou espanhol). De tanto medo o sangue não circulava,
era o tempo todo de mãos geladas, coração disparado rezando para não ser chamado.
Certa vez o professor de inglês falou alto e claro para que todos ouvissem:
“Magno não precisa rezar, procura acompanhar a aula, prometo não te arguir
hoje”.
Com dinheiro sempre curto muitas vezes faltava o do transporte, era quando
fazíamos longas caminhadas a pé para chegar à escola. Certa feita o meu sapato
rasgou, o caixa estava baixo, o resultado é que passei uns dias dividindo o
mesmo par com o Bernardo. (os dois com o pé doente só que, coincidentemente,
trocados).
José comprou uma moto para se deslocar entre casa trabalho e à ENA (Escola
Nacional de Agronomia) situada no KM 47 da estrada Rio-São Paulo, percurso que
fazia diariamente para dar conta do trabalho e do estudo. O “veículo”
transportava, ainda, alimentos e material de limpeza adquiridos no mercado
popular subsidiado pelo Governo, nas proximidades do aeroporto Santos Dumont.
Para a missão eram destacados dois José (motoqueiro) e uma das mulheres,
munidos de um saco tipo estopa, onde era depositada a mercadoria, e muito
barbante para fixa-lo à moto. Coisas mais frágeis eram levadas nas mãos do
ajudante garupa. Um belo dia o dinheiro “sobrou” para comprar uma galinha viva
que os feirantes enrolavam em jornal embalagem que a mantinha imóvel. Ocorre
que o vento abriu o papel e a galinha saltou da moto, isto em plena avenida que
ligava Cinelândia - Zona Sul - Aeroporto. Gerou-se uma cena hilariante e
indescritível pois os carrões importados freavam bruscamente “cantando os
pneus”, a pobre Flori (ainda menina) correndo atrás do almoço, mais preocupada
com o possível prejuízo do que com a própria vida.
Valeram muito todos os sacrifícios e provações que nos ensinaram, como previa
Duque, a ser gente. Fomos muito felizes, nos tornamos mais fraternos e
humildes, vivemos em busca de honrar os sacrifícios e a memória dos nossos pais
e conterrâneos.
Doces lembranças, muito a agradecer, inclusive o milagre que, não só salvou a
Flori e. ainda, permitiu que uma galinha controlasse o trânsito no Rio de
Janeiro.
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