Lázaro Albuquerque Matos
“Se vão da lei da morte, libertando
Cantando espalharei por toda parte
Se a tanto me ajudar engenho e arte”.
O engenho e arte, aqui, é de Camões, que significa talento e eloquência. Não me vejo com este engenho e arte para escrever sobre elegia: descrever a morte de alguém, no lírico literário.
Na última segunda-feira, dia sete de fevereiro, vim ao Facebook para escrever isso, na função da linguagem referencial fática, no sentido informativo:
– Lamento a morte de Jorge Cavalcante, ocorrida nesta manhã de hoje, em São Luís. Ele era bem conhecido em Duque Bacelar, como Jorge Gargamel.
Hoje, volto ao mesmo Facebook, na função da linguagem emotiva sentimental, para dizer:
– Viajou meu amigo Jorge Cavalcante, o Gargamel de Duque Bacelar. Não fui levá-lo ao embarque. Não pude ir dizer-lhe meu último adeus, na eterna viagem, sem retorno. Meu amigo deixou vida terrena. Um bom lugar pra ele sua nova morada celestial!
Não afirmo que eu e o Jorge éramos amigos do peito: “Um par-de-França”. Mas, entre nós, existia uma certa relação de cordial amizade. Conheci-o em São Luís, quando me mudei para um bairro central da cidade, chamado Codozinho.
Lá, eu morava na Rua Álvares Cabral; Jorge, em uma paralela, chamada Rua Euclides da Cunha. Ele morava com os pais, irmãos e irmãs. Passamos certo tempo desconhecidos um do outro. Até que meu irmão Chichico montou uma mercearia, na esquina das ruas em que morávamos.
Na mercearia não faltava um produto que atraía o Jorge como freguês: a danada da cachaça, de todas as marcas e gostos. Isso fez o comércio do meu irmão tornar-se num ponto de encontro, aos sábados, à tarde, de muitos conterrâneos de Duque Bacelar, e de vizinhos de São Luís. E, por lá, eu tomava umas com o Dr. Camilo, esposo da Dorinha Aguiar e o Zé Neto, irmão dela.
Como o Jorge era um freguês assíduo, não só dos sábados, mas diariamente, passei a encontra-lo na mercearia do meu irmão, aos sábados. Muito conversador, assunto que viesse, entres os amantes da boa dose da dana, Jorge chama pra si, mesmo que não fosse da conta dele. Assim era comigo: Jorge puxava muita conversa, e entrava nas minhas com o Dr. Camilo. Logo, demostrou muito interesse em conhecer Duque Bacelar. Oferecia-se para ir comigo à minha terra. Mas isso nunca me interessou em fazê-lo.
Até que, em uma campanha política, a pedido de um colega meu do Banco da Amazônia, eu ia a Duque Bacelar, nos fins de semana, pedir votos para um cunhado dele, chamado Carlos Braide, pai do atual prefeito de São Luís. Mesmo sem entender nada de política, aceitei a missão.
Na época, Braide era Secretário de Trabalho, no Governo do Estado Maranhão. Ele colocou uma caminhonete Toyota Bandeirante à minha disposição para as viagens a Duque Bacelar, durante a campanha. Na primeira viagem, Jorge Cavalcante, amigo do motorista da caminhonete, já chegou dentre dela, na minha casa, arrumadinho para a viagem a Duque Bacelar. E perguntou-me: “Posso ir contigo, Lázaro”? Respondi: sim, vamos!
Assim, Jorge conheceu Duque Bacelar. E gostou tanto, mas tanto, que não perdeu mais nenhuma das viagens de campanha que eu fazia a Duque. E ele me ajudava em algumas tarefas. Às vezes, nem voltava. Ficava cuidando da campanha, à minha espera, na próxima viagem.
Depois da eleição, Jorge se mudou para Duque Bacelar, sem a minha participação. Fez muita amizade na cidade. Casou com uma jovem do Tabuleiro, que ele conheceu – parece-me –, morando na casa do Sr. Cordeiro e Dona Maria Helena, meus vizinhos, em Duque Bacelar. Do casamento, veio uma linda filha.
Na política de Duque Bacelar, depois de mim, Jorge trabalhou com Antônio Bastos, com o Estênio e com o Dr. Chico. Do Estênio, o Máquina Quente, Jorge ficou muito amigo, a ponto de morar na casa dele, e, dela, tomar conta por um certo tempo.
Entre mim e Jorge, ficou uma consideração recíproca. Nossa relação nunca acabou. Ele ia à minha casa, lá em Duque. Às vezes, almoçava, em outras, só queria um trocado para a danada.
Jorge era mais amigo da minha esposa, do que meu. Eles se conheciam de juventude, morando perto, no mesmo bairro de São Luís. Arline é amiga das irmãs dele. Em Duque, ele ficou amigo do meu pai; de todos meus irmãos; já era, de São Luís.
Mas sou grato a um grande feito do Jorge, que jamais esquecerei: meu pai morreu praticamente nos braços dele, quando sofreu um enfarto, em Duque Bacelar. Depois de morto, Jorge banhou meu pai, e ficou cuidando dele, com meus irmãos, até minha chegada para o velório e o enterro.
No dia da morte do Jorge, a primeira notícia me foi dada pelo Heloizo, Cem por Cento. Mas o Estênio não se esqueceu de minha relação com o Jorge. Logo depois do Heloizo, o Máquina me ligou, dando a notícia, também.
Não sei de onde veio o Gargamel para o Jorge Cavalcante, em Duque Bacelar. Eu não o tratava assim. Vou guardar a lembrança dele, com o sobrenome da família, que conheci: Cavalcante.
E ele vai ficar. E já ficou, para as Coisinhas de Duque Bacelar, como simplesmente, Jorge Cavalcante.
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