(Texto de Renildo Carlos)
Em 2009, a revista Rolling Stone Brasil publicou uma lista com as 100 maiores músicas da história do Brasil. A música de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira apenas ficou atrás de Carinhoso (Pixinguinha), Águas de Março (Tom Jobim) e Construção (Chico Buarque). Porém, até chegar nos louros da glória, a canção foi até motivo de piada. No dia 03 de março de 1947, Luiz Gonzaga gravava nos estúdios da RCA/Victor (Rio de Janeiro) a composição dele com o advogado Humberto Teixeira, que demorara dois anos para ser finalizada e ficaria imortalizada como um verdadeiro hino para os nordestinos em busca de melhoria de vida no sudeste do país. A gravação foi acompanhada pelo grupo Regional do Canhoto, conhecido e requisitado na época de ouro do Rádio.
Ao terminar os trabalhos no estúdio, Canhoto, o líder da banda, olhou para Gonzaga e comentou, enquanto rodava um chapéu em busca de moedas, ao som da canção:
— Isso é música para cego pedir esmolas na rua.
Com tom de anedota, Canhoto sequer apostaria que "Asa Branca" tornar-se-ia uma verdadeira referência cultural e influenciadora criativa intocável para toda a música popular brasileira. Quiçá, internacional. Duas versões da música foram registradas: A primeira foi gravada pelo próprio rei do Baião em forma de toada e levou o artista pela primeira vez ao cinema, tocando a música no filme "O Mundo é um Pandeiro". Um momento importante de transposição dos gêneros musicais nordestinos para a mescla com o choro carioca. A outra versão, a mais divulgada, é de 1952. "Asa Branca" foi essencial para preparar o terreno para o Baião, uma febre nacional, coroando a Majestade com o seu reinado característico ao final dos anos 1940.
Escute "Asa Branca" de 1947: https://www.youtube.com/watch?v=YWjqdlIL1Ao .
Com certeza, "Asa Branca" traz uma pérola da carreira de Gonzagão. A canção demonstra uma identidade do homem sertanejo, da sua música e do seu povo. Traz o protesto visualizado na música, com o drama gritado pelo seu mais puro representante artístico, enquanto a seca expulsa o morador de sua casa. Como destino, é a narrativa da condição humana que trava diariamente sua luta pela sobrevivência. E, através da poesia e da reinvenção da toada, o povo nordestino dava mais um passo à frente.
A linguagem, a sanfona e o devir ajudaram outras pessoas, até estranhas ao ambiente sertanejo, a vivenciar o sofrimento de uma nação tão distante, mas tão próxima. Coisas que só a música consegue traduzir.
Viva o Imperador sonoro do sertão.
Viva o Nordeste!