Tudo parecia calmo e todos estavam imbuídos da dura missão de evitar a catástrofe climática, hoje visível e ameaçadora globalmente. Grandes catástrofes e grande fúria dos elementos da natureza estão ocorrendo no mundo todo. No Brasil, só neste começo de ano tivemos centenas de mortos, demostrando que o assunto é inadiável. Espantosos 40% da população mundial, cerca de 3,6 bilhões de pessoas, vivem em zonas de risco, altamente suscetíveis a mudanças climáticas. E que dramático é o resultado dessas tragédias.
A água é um bem valioso, altamente sujeito a variações climáticas, que podem alterar a precipitação das chuvas. Quantas toneladas de grãos deixaram de ser colhidos no Brasil, só neste ano, por falta ou excesso de água? Energia e alimentos são fundamentais ao mundo e produção de alimentos depende de fertilizantes nitrogenados. O mundo se acostumou a comprar fertilizantes de onde estava sendo fabricado e não se esforçava em produzi-los – mesmo com o peso dos fertilizantes ultrapassando 30% dos custos dos grãos.
O mundo estava otimista, mal saindo de uma pandemia devastadora, otimista com o futuro. Estávamos todos esperançosos que viria um grande crescimento mundial, com investimentos e empregos decorrentes dos investimentos nas novas energias.
Mas, nem todos pensavam assim. A Rússia, um país de PIB igual ao Brasil, deitada em um grande lençol de petróleo e gás, e grande produtora mundial de fertilizantes, estava enriquecendo velozmente (só em janeiro suas vendas externas chegaram a 21 bilhões de dólares) e fazia grandes investimentos para aumentar suas vendas em gás para o enorme mercado europeu.
O país é governado por um ex-agente da KGB, que trabalhou sem muita expressão na burocracia e que, para aumentar sua renda, foi motorista de táxi, dignamente, conhecedor das entranhas do poder da Rússia e depois da Perestroika teve uma ascensão rápida ao poder, tornando-se o presidente da Rússia, conseguindo sucessivas reeleições e, por último, um mandato que vai até 2036. Ele recomeçou a investir muito em armamentos, em tecnologia para novas armas, misseis moderníssimos, arsenal nuclear, tanques e aviões, submarinos atômicos, como também em guerra cibernética, promovendo invasões de sistemas digitais em todo o mundo, que hoje fazem parte de seu arsenal de guerra. E nunca escondeu o sonho de remontar à Grande Rússia, que se desintegrou junto com a queda do muro de Berlim. Um alivio mundial festejado no século passado.
Hoje, em marcha batida para anexar a Ucrânia, alegando o passado e desconhecendo o presente de um plebiscito em que mais de 80% da população ucraniana votou para ser uma república independente com o desejo de fazer parte da União Europeia, mostrando que não queria ser parte da Grande Rússia do Putin. Este posicionou um grande exército, na fronteira com a Ucrânia, afirmando que era apenas um treinamento. Acusado por Biden de preparar a invasão da Ucrânia e que a iria invadir, o que sempre negou, mesmo quando os tanques já entravam naquele país. A Ucrânia não fazia parte da OTAN, embora desejasse fazer parte dela, receosa de invasões do ex-aliado. Isso era inaceitável para Putin, embora não houvesse nenhuma ameaça ao país.
Isolamento econômico – A reação europeia e dos E.U.A., e de inúmeros países, foi muito forte. Bloqueios econômicos que, se desrespeitados por parte das empresas de qualquer nacionalidade, seria fatal para elas. Assim, empresas globais que há anos estavam no país, saíram às pressas. Vendas de tecnologia para refino foram proibidas, companhias de navegação foram proibidas de aportar em portos russos ou de seus aliados. O gasoduto North Stream 2, que duplicaria a venda de gás para a Europa, está bloqueado pela Alemanha e a exclusão dos bancos russos do sistema bancário SWIFT, que permite que o comércio global exista, dando cartas de crédito para as empresas venderem e comprarem da Rússia, excluiu a Rússia do comércio mundial. O resultado é o isolamento econômico total da Rússia. Foram bloqueados os ativos financeiros russos do país e até do Putin, dos empresários e magnatas russos que estavam tendo que vender seus ativos, além de perderem iates e aviões e mansões luxuosos, além do bloqueio de suas contas. Essas sanções são tão duras que podem afetar até importações já embarcadas.
O efeito foi imediato, a taxa de juros dentro na Rússia subiu de 2% para 20% em poucas horas, o rublo se desvalorizou fortemente diante do euro e do dólar, e houve, imediatamente, uma corrida aos caixas eletrônicos para conseguir moeda forte e até para comprar artigos de qualidade, importados.
Mas, Putin deve consumar seu domínio sobre a Ucrânia, tal a desproporção entre os dois exércitos. Mas, estará ganhando o quê? Merval Pereira, grande colunista do O Globo, membro da Academia Brasileira de Letras, homem extremamente informado, escreveu na quinta passada um brilhante artigo com o título “Ganhar Perdendo”. E escreveu: “uma guerra que se ganha perdendo parece ser o destino da Rússia de Vladimir Putin na escalada militar contra a Ucrânia…Biden em seu discurso anual do Estado da União, fez uma análise geopolítica sobre a guerra muito interessante que parece ser consensual. Putin está saindo enfraquecido dessa guerra, e seu desejo de menos Otan em seu entorno parece estar proporcionando o ambiente político internacional para que mais países queiram se proteger na aliança militar ocidental. A provável derrota militar de Zelensky poderá se transformar em uma derrota de consequências inimagináveis para a ambição de Putin de recriar a Grande Rússia. Zelensky, se não for morto, poderá se transformar em um líder da resistência à dominação, com grande capacidade de comunicação e uma rede de apoio político que poucos líderes tem. O interesse financeiro dos oligarcas que literalmente sustentam Putin está fortemente abalado pelas sanções impostas pelo Ocidente.
Se continuar avançando, a Rússia de Putin acabará dominando a Ucrânia, mas, uma Ucrânia arrasada, falida, assim como o seu algoz, uma Rússia falida, sem capacidade de se organizar, e uma resistência cidadã que já se demonstra heróica. Com guerrilhas, emboscadas, se transformará em um inferno naquela região e um inferno a dominação da Rússia sobre a Ucrânia.
Putin não imaginava que poderia acontecer uma resistência tão forte, que está adiando a vitória dele, que parece inevitável. Mas será daquelas derrotas, para a Ucrânia, que se transformam em vitória moral e reforça o sentimento de pertencimento de uma população”, conclui Merval.
Nós teremos também grandes dificuldades. Quase nada exportamos para a Rússia, mas importamos cada vez mais, principalmente adubo. A Rússia não bloqueou a venda para o Brasil, mas não teremos navios que se disponham a ir buscá-los, em uma zona de guerra com o seguro nas alturas. O presidente da AEB (Agência Espacial Brasileira), José Augusto de Castro, afirma: “na importação de fertilizantes, não há alternativa hoje. Se deixo de comprar fertilizantes, vamos ter menos produtos para exportar, seja para quem for. Ou seja, se não tenho fertilizantes não posso produzir alimentos. O que prenuncia uma era de imensas dificuldades na oferta de alimentos e causando, junto com o petróleo, a mais de 110 o barril, a nossa inflação.
A ministra Tereza Cristina, uma pessoa de grande personalidade e que entende do seu riscado, já foi para o Canadá atrás dos fertilizantes. O nosso estoque vai até outubro. Mas, poderemos nos tornar um dos maiores produtores mundiais de amônia a base dos fertilizantes nitrogenados. Dentro de pouco tempo teremos um HUB para produção em modelo reduzido de hidrogênio verde e de amônia. Dominando a nova tecnologia, vamos também ser grandes vendedores internacionais para o mundo. No fim, abre-se uma janela de oportunidades.
Artigo escrito pelo ex-governador José Reinaldo Tavares.