RIO - Uma
única bala pode matar, deixar sequelas, destruir famílias... E, no paiol que a
violência transformou o Rio, dimensionar quantas delas ameaçam vidas parece
pouco factível, como evidenciou a guerra de rajadas de tiros dos últimos dias
na Rocinha. Mas, como um indicativo, só as munições apreendidas pelas forças de
segurança no estado, entre janeiro de 2014 e junho deste ano, somaram 548.777,
segundo um estudo do Instituto Sou da Paz, que analisou dados do Instituto de
Segurança Pública (ISP). É uma artilharia suficiente para 13 mil disparos por
mês ou 430 por dia. Em seu detalhamento, a estatística revela outro aspecto
assustador: quase um quarto (123.664 ou 22,53% do total) desses projéteis era
de calibre de fuzil — aparato de guerra que se proliferou no cotidiano
fluminense, tão letal que leva à morte cerca de 90% de suas vítimas. Um arsenal
que, nas mãos dos criminosos, alimenta, além dos confrontos na Rocinha,
combates como o que aconteceu, recentemente, no Morro do Juramento, em Vicente
de Carvalho. Faz ressoar estampidos que amedrontam na favela e no asfalto, seja
no Dona Marta ou na tentativa de assalto que deixou um bandido morto,
terça-feira passada, no Shopping RioSul. E enterra sonhos de inocentes, como
Vanessa Vitória dos Santos, de 10 anos, atingida dentro de casa no Complexo do
Lins, ou de Sofia Lara, de apenas 2 anos e sete meses, morta enquanto brincava
num parquinho em Irajá.
ROCINHA
TEVE A MENOR APREENSÃO DE ARMAS
No meio do
fogo cruzado, a população fica acuada. Na Rocinha, enquanto bandos de uma mesma
facção disputavam o território em tiroteios que duraram horas ininterruptas,
seus mais de 69 mil moradores tiveram de conviver a semana toda com toques de
recolher. Imagens feitas dentro da favela mostram dezenas de bandidos
fortemente armados. Anteontem, uma granada argentina foi lançada contra
policiais, mas não explodiu. O comércio e unidades de saúde fecharam, os
serviços de transporte público foram interrompidos várias vezes e muita gente
não conseguiu sair de casa para o trabalho. Em meio à batalha, a cidade inteira
se ressentiu, com o trânsito da Autoestrada Lagoa-Barra e do Túnel Zuzu Angel
interrompido.
E apesar do enfrentamento fortemente armado —
que culminou com uma intervenção
das Forças Armadas —, outro levantamento, esse feito pelo GLOBO com base em
informações do ISP, mostra que, antes de a guerra começar, a 11ª DP (Rocinha),
junto com a 1ª DP (Praça Mauá), tinha sido a delegacia com menos registros de
apreensões de armas na cidade, de janeiro a julho deste ano. Nesse período,
foram apenas cinco (dois revólveres, duas pistolas e uma submetralhadora),
equivalente a 0,3% das 1.666 armas recuperadas na capital em sete meses. E,
embora as imagens dos confrontos tenham mostrado uma proliferação de fuzis com
os bandidos da comunidade, nenhum armamento do tipo foi apreendido em sete
meses na região.