Há 25 anos,
Rosane Collor deixava o Palácio do Planalto de braços dados com o então marido
Fernando Collor de Mello, afastado de seu cargo de Presidente da República após
sofrer um processo de impeachment por corrupção. Rosane viu Collor baixar a
cabeça e disse em seu ouvido “Erga essa cabeça. Vamos sair como chegamos,
erguidos”. Duas décadas e meia depois, separada de Fernando Collor há 12 anos,
ainda no meio de um imbróglio litigioso pela partilha de bens e pensões alimentícias
atrasadas, a ex-primeira dama do Brasil olha para trás e suspira com certo
alívio: “Quando vejo o envolvimento dele em vários esquemas ainda hoje, penso
que Deus me deu o maior livramento da minha vida. Faria tudo ao contrário, mas
tenho certeza que a Justiça será feita e ele vai pagar por seus erros”.
Atualmente,
Rosane Malta vive em Maceió, em Alagoas, onde nasceu e conheceu Fernando
Collor. A rotina é feita de encontros de caridade e de rascunhos para um
segundo livro ( O primeiro, “Rosane Malta, tudo o que vi e vivi”, foi lançado
em 2014). Mas também de articulações para um futuro político. “Recebo convites
para atuar na política até hoje. Nunca disse que não entraria. Se fosse para
escolher, me candidaria a deputada federal. Quero legislar pelas mulheres e
trabalhar para que haja educação no país”, conta ela: “Antes, porém, preciso
desvincular minha vida da do meu ex-marido. Espero que este processo, já ganho
em várias instâncias, termine no máximo em um ano. Aí, sim, estarei livre para
refazer minha história”.
O
silêncio dos inocentes
Coadjuvante
no processo de impeachment sofrido por Collor em 1992, Rosane afirma que jamais
esteve envolvida nas falcatruas do então presidente. Ela garante que tinha
total confiança na palavra do marido. “Quando meu cunhado (Pedro Collor) me
disse que PC Farias (ex-tesoureiro de campanha de Collor à Presidência da
República) fazia tráfico de influência dentro do governo, eu chguei em casa e
questionei o Fernando. Ele falou que tudo era uma invenção, uma conspiração do
PT e dos empresários para tirá-lo do governo. Que mulher que ama seu marido não
acreditaria? Que mulher não ficaria ao lado de seu marido?”, questiona ela.
Após 25
anos, Rosane não só ri da própria ingenuidade como diz que faria tudo ao
contrário. “Primeiro, não teria me casado com ele. Meu pai me alertou muitas
vezes sobre o temperamento de Fernando, sobre o envolvimento dele com muitas
mulheres. Mas eu estava apaixonada, tinha 19 anos. Três meses depois estava
casada e dois anos depois primeira-dama do estado e logo depois do país...”,
justifica: “Sabendo de tudo o que sei agora, depois de viver tudo o que vivi e
sofri, jamais teria insistido nesta relação”.
Que país
é esse?
Há dois
anos, Rosane Malta se viu no lado oposto em que estava ao praticamente ser
expulsa de Brasília em setembro de 1992. Ela foi para as ruas, de verde e
amarelo, gritar pelo impeachment de Dilma Rousseff. “Foi um momento totalmente
emblemático para mim. Era o oposto do que vivi, mas com o mesmo sentimento que
as pessoas que foram às ruas naquela época tinham. Já são 25 anos e continuamos
vendo e vivendo os mesmos problemas”, avalia ela, que, no entanto, vê uma
saída. E não é pelo aeroporto: “O país está crescendo, está amadurecendo.
Quando o Fernando foi eleito, o Brasil estava há 30 anos sem eleições diretas.
Foi um marco. Legitimamente ele foi eleito. Só que vamos pegar para trás, a
corrupção existe há muito tempo e agora estamos passando tudo a limpo. Isso é
prova de que estamos num caminho”.
Rosane diz
que jamais teve contas fantasmas em seu nome ou tenha sido laranja de algum
esquema. Rosane foi acusada — e posteriormente inocentada — de fraude,
corrupção passiva e peculato à frente da LBA (Legião Brasileira de
Assistência). “Nunca fiz nada errado ou tirei dinheiro da entidade. Pelo
contrário, deixei um projeto lindo que depois foi interrompido em outro
governo”, afirma.
Cafona,
eu?
No pouco
tempo em que ficou no cargo de primeira-dama do Brasil, Rosane Malta sofreu
duras críticas do povo da moda. “Gente, eu usava cabelo de uma jovenzinha, era
liso, escorrido. Na época, estava na moda a permanente para cachear os fios e
eu não quis”, recorda: “Cortei meu cabelo chanel e foi um alvoroço”.
Não era o
cabelo de Rosane o alvo dos narizes torcidos . Mas seus indefectíveis tailleurs
combinadinhos com bolsas e sapatos da mesma cor. “Quando cheguei em Paris, vi
todas as vitrines da Dior e Chanel com os sapatos e bolsas combinados, da mesma
cor. Por que eu era cafona? Mas eu nunca liguei, sinceramente. Fui a uma recepção
em que estava a Lady Di. Ela elogiou minha roupa. No mesmo dia pedi à estilista
Glorinha Pires Rebelo que fizesse um para ela e enviei para a Inglaterra. E a
Diana usou!”.
“Quem dá
emprego para a ex-primeira-dama do Brasil?”
Formada em
Administração de Empresas, Rosane Malta não exerceu a profissão. Enquanto
estava casada era sustentada pelo marido. Após a separação, entrou com o
processo de pensão alimentícia e partilha de bens. O divórcio de Collor, no
entanto, tornou-se litigioso e até agora ela não teve passada para seu nome
parte do patrimônio que o político conquistou nos 22 anos em que estiveram
casados.
A pensão
afixada pela Justiça na época, de 30 salários mínimos por mês (algo em torno de
R$ 28 mil) está sendo paga religiosamente desde que ela entrou com um recurso.
“Ele me deve anos de pensão. Se não pagar mensalmente, vai preso. Já perdi as
contas de quanto é. Só meus advogados é que podem dizer. Eu estou pedindo os
retroativos com todas as correções e juros”, enumera Rosane, que ainda tem
direito a imóveis e dois carros.
Ela garante
que adoraria estar no mercado de trabalho. “Mas quem dá emprego para a
ex-primeira-dama do país?”, questiona.
Solteira
após um relacionamento de cinco anos, Rosane Malta, de 53 anos, ainda acredita
no amor. “Tenho fé e a certeza que a pessoa certa ainda vai chegar. Só não foi
a hora ainda”, analisa. Impossibilitada de ter filhos após um abordo sofrido
enquanto estava casada com Collor, ela não abandonou o sonho de ser mãe. “Quero
adotar uma criança. Penso muito nisso. Mesmo que não haja um pai em vista”,
diz.
Por
enquanto, o “filho” será um segundo livro. O assunto? “Ainda não contei muita
coisa. O primeiro foi para passar minha história a limpo. O segundo será para
escrever um novo capítulo na minha vida. Sempre fui ousada e destemida. As
pessoas diziam que eu seria morta porque muitos personagens ainda estão vivos.
Mas eu só falei a verdade. E ainda há muita verdade para vir à tona”.